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Perfeccionismo: mocinho ou vilão?

Perfeccionismo: mocinho ou vilão?

 

Por Ana Carolina Diethelm Kley

Especialista e Proficiente em Terapia Cognitiva Comportamental

Supervisora e professora do Centro de Terapia Cognitiva Veda

 

O perfeccionismo é um problema subestimado, mas de grandes proporções. 

De acordo com Shafran, Egan e Wade (2010), o perfeccionismo envolve tanto o estabelecimento de expectativas de desempenho excessivamente altas quanto o esforço para alcançá-las. Elas são autoimpostas e continuamente buscadas, apesar desse processo causar problemas e prejuízos. Neste modelo, a noção de valor próprio se baseia quase que, exclusivamente, no nível de esforço investido e na qualidade do resultado obtido. 

Podemos descrevê-lo, de forma geral, como um funcionamento cíclico que é composto por elementos cognitivos, emocionais e comportamentais, que cria e mantém níveis variáveis de insatisfação. É considerado um estado que pode anteceder algumas doenças mentais, como a depressão. 

Por essa descrição, já é possível perceber de que estamos falando de algo nocivo, não é mesmo? 

No entanto, é relevante reforçar outras consequências diretas do perfeccionismo: aumento da ansiedade, paralisia, desistência, procrastinação, autocrítica excessiva, autodesvalorização, baixa autoestima (ou um autoconceito negativo) e, como se isso tudo já não fosse o suficiente, ainda podemos contabilizar dificuldade em desenvolver repertório diante dos obstáculos e desafios, o que colabora para a manutenção de déficits de habilidades, impactando no desempenho do indivíduo nas mais diversas áreas. 

E isso tudo pode ser identificado em pessoas que não preenchem critérios diagnósticos para nenhuma doença mental, mas que sofrem. E muito. E frequentemente. 

Um dos grandes obstáculos para o enfraquecimento desse ciclo é a maneira como ele é visto, em geral, na sociedade. É comum candidatos em entrevistas de emprego usarem o “sou perfeccionista” como um defeito revestido de qualidade, em que se afirmar assim significa se descrever como uma pessoa responsável, dedicada, detalhista, que vai dar todo o seu tempo e energia aos objetivos da empresa. 

Em propagandas de TV, o perfeccionista é aquele que busca a excelência em tudo o que faz e é bem-sucedido por causa disso. A mensagem é esta: o perfeccionismo é o único caminho para o sucesso. 

E essa mensagem é reproduzida por homens e mulheres que tendem a acreditar que só conseguiram o que conseguiram porque eram perfeccionistas, que foi isso o que os levou a ir atrás do que era importante ou ainda que, se abrissem mão dessa forma de funcionar, seriam irresponsáveis, preguiçosos, vagabundos. 

Essa atribuição positiva mascara o perfeccionismo, tornando-o um problema subestimado, uma vez que ele tende a ser visto como um mal necessário, e não como o que ele realmente é: uma forma de funcionar que limita os ganhos, lentifica os avanços e causa muito sofrimento. 

Confunde-se a autocobrança exagerada com o que norteia uma vida plena, digna de ser vivida: nossos valores pessoais. Ter uma vida valiosa – leia-se regida por estes valores– é o anseio de muitas pessoas que procuram ajuda em psicoterapia.  

Levando esses argumentos em consideração, posso afirmar que o perfeccionismo é ruim. Não existe perfeccionismo bom, nem em parte bom. O que é positivo e não deve acabar nunca (para o bem de um mundo melhor) são a responsabilidade, o cuidado, a dedicação. 

A dedicação é uma habilidade que se aprende. Muitos de nós a assimilamos com exemplos dentro de casa, já na primeira infância. Mas, aqueles que não tiveram essa fonte, podem também desenvolver a dedicação com treinamento, orientação e reflexão. A responsabilidade e cuidado são valores pessoais que podem ser reforçados com nossas escolhas cotidianas e também com reflexão.  

O perfeccionismo coloca o esforço em termos de tudo ou nada (“ou você dá o seu sangue ou não vale a pena nem começar”) e não aceita erros. 

Quando focamos no desenvolvimento de habilidades ou no fortalecimento dos nossos valores, qualquer passo, de qualquer tamanho, já é um ganho e conseguimos aproveitar qualquer tipo de resultado, uma vez que pensar sobre aquilo nos ajuda a identificar informações e aprimorar os próximos passos. 

Quando temos este objetivo, a autocompaixão é sempre uma aliada, pois ela torna o caminho mais leve e nos ajuda a aproveitar o aprendizado. O perfeccionismo só tem a autocrítica exagerada a nos oferecer. E ela nos cega, faz com que tenhamos uma visão distorcida de nós mesmos e não nos permite nem ganhar conhecimento e nem dar o próximo passo. A única opção é paralisar e focar no que não foi feito (mas deveria ter sido). 

Então, se o objetivo for ser uma pessoa responsável, ter melhores resultados e uma vida mais plena, trabalhemos para enfraquecer o perfeccionismo, fortaleçamos nossos valores e melhoremos nossas habilidades. Tudo de forma regular e leve. E se for necessário questionar ideias pré-concebidas e distorcidas, que tenhamos a coragem de fazê-lo.  

Referência: 

SHAFRAN, EGAN e WADE (2010), “Overcoming Perfeccionism, A self-help guide using Cognitive Behavioral Techniques”, ed. Constable & Robinson (tradução do trecho utilizado neste artigo foi feita por Ana Carolina Diethelm Kley) 

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